Trabalho infantil: precisamos conversar sobre isso!

Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2016, do IBGE, no País, 2,4 milhões de crianças e adolescentes são vítimas de exploração no trabalho.

Os números por si só não significam muito, se não contextualizados. Podemos dizer que 2,4 milhões de crianças e adolescentes é mais do que toda a população de Porto Alegre, em 2019 estimada em 1.479.101.

Portanto, é muito! Porém, outro modo de ver a questão é considerar que muito ou pouco importa menos. É ruim se estivermos diante de uma criança em condição de trabalho infantil, fora da escola e sem oportunidades, isto já é um problema e uma forma de violência.

O número de crianças e adolescentes em trabalho infantil vem reduzindo. Segundo o IBGE, de 1992 a 2015 o Brasil conseguiu retirar 5 milhões de menores de idade de situações de trabalho infantil — uma redução estimada em 65%.

Muitas medidas foram tomadas pelo Estado brasileiro, mas também por organizações não-governamentais, empresas e órgãos de fiscalização e promoção de direitos, como o Mistério Público do trabalho, ou os Conselhos de Direitos e Tutelares. Porém a redução já teve um ritmo mais rápido até a primeira década deste século. Nos últimos anos a diminuição do contingente de trabalhadores tem reduzido pouco e, no ritmo atual, o Brasil não alcançará o compromisso assumido perante à ONU de erradicação do trabalho infantil até 2025.

Cabe destacar, no entanto, que hoje incidir sobre o trabalho de crianças e adolescentes é mais difícil do que há 15 ou 20 anos atrás. Isso porque o perfil de trabalhadores vem mudando. A maioria dos que se encontram nesta condição hoje são adolescentes, entre 14 e 18 anos de idade, que gradativamente vêm deixando a escola e envolvendo-se em atividades informais de trabalho, entre os quais estão os trabalhadores do campo.

O problema é de difícil solução também diante do apelo da sociedade de consumo. Todos os dias jovens pobres, do campo e das cidades, são estimulados a ganhos imediatos para a aquisição de bens, os quais fazem sentir-se pertencendo ao seleto grupo de consumidores.

Situação de difícil solução também quando, diante de tantas mazelas sociais, riscos até mesmo para a sobrevivência, as famílias e a sociedade em geral expressam o pensamento de que melhor estar trabalhando do que exposto à violência, ou a outros comportamentos ilícitos ou auto-destrutivos.

Em realidade, uma coisa não se opõe a outra: não é bom para adolescentes estar trabalhando, assim como não é aceitável que estejam envolvidos em situações de violência, ou vulneráveis aos perigos contemporâneos.

Lugar de crianças e de adolescentes é na escola, onde podem aprender sobre o mundo de forma crítica e reflexiva. É na família e na escola que existe espaço para viver o tempo de suas adolescência e preparar-se para a vida adulta com condições de exercer um trabalho com mais dignidade.

A erradicação do trabalho infantil não é importante somente para os jovens e suas famílias, é importante para o País. Talvez o único meio de reverter o quadro de desigualdade social exposto no Brasil hoje é a elevação do nível de educação do conjunto da população jovem.

O trabalho infantil caminha em sentido contrário ao da escola. Uma criança ou um adolescente que precisa trabalhar, gradativamente, vai distanciando-se da escola, porque não tem como dividir seu tempo entre as duas atividades, ou porque o projeto oferecido pela escola é muito distante de sua realidade e necessidades imediatas.

Com baixa escolaridade, quando adulto, tende a ocupar postos de trabalho precários, com poucas condições de segurança, sem direitos garantidos e com baixa remuneração. A tendência, então, é que sua futura família também viva em condições precárias e a pobreza reproduza-se, geração após geração.

É claro, existem exceções, mas não são a regra. Em uma população maior que a cidade de Porto Alegre de trabalhadores infantis, a grande maioria será um adulto que exercerá um trabalho precário.

Precisamos de escola e mais escola! Mais anos de escola e escola de melhor qualidade, atrativa e conectada com os anseios da sociedade e das novas gerações.

Esse é um desafio grandioso, que requer o engajamento de muitos em um efetivo projeto de sociedade. Somente muito esforço conjunto, entre sociedade civil, estado, empresas e famílias pode enfrentar tal problema.

Para começar, precisamos conversar sobre o significado do trabalho infantil para todos nós!

Colunista

Ana Paula Motta Costa

Advogada, socióloga, mestre em Ciências Criminais (PUC/RS), Doutora em Direito (PUC/RS), Professora do Curso de graduação, Mestrado e Doutorado da UFRGS e Professora do Curso de Mestrado em Direitos Humanos do UniRitter. É pesquisadora há vários anos na área dos direitos das crianças e adolescentes, com vários livros e artigos publicados em periódicos científicos. É consultora do Instituto Crescer Legal para a área de aprendizagem de jovens rurais e combate ao trabalho infantil.