Em novembro de 2025, a 11ª edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP 11) reunirá os países-membros, em Genebra, na Suíça, e os DEFs (Dispositivos Eletrônicos de Fumar) devem voltar à pauta. No Brasil, os DEFs são proibidos, ainda que muito consumidos, gerando um enorme problema sanitário e de evasão fiscal.
O Blog Empreendedores do Campo entrevistou a ex-diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Alessandra Bastos Soares. Farmacêutica, ela foi diretora e gestora da área de medicamentos e produtos biológicos e alimentos na Agência. Atualmente, é consultora científica e tem convicção de que os DEFs devem ser regulamentados para resguardar os consumidores da falta de informações sobre o que estão consumindo ao adquirir os dispositivos no mercado ilegal.
Entrevista
Em sua trajetória como diretora da Anvisa, a senhora sempre foi defensora de informações claras para que as pessoas possam fazer as próprias escolhas de consumo. No caso dos Dispositivos Eletrônicos de Fumar, não é possível haver regramento algum sem regulamentação. Na sua opinião, qual seria a condução ideal na questão dos DEFs?
Alessandra Bastos Soares: A manutenção da proibição impetrada pela Anvisa definitivamente não é eficaz. Mas há como reverter essa situação. A Anvisa pode reverter o próprio ato desde que a área técnica, em conjunto com a diretoria colegiada, faça uma revisão o mais atualizada possível das normativas que são aplicadas no mundo para o controle dos cigarros eletrônicos e faça um trabalho de consulta pública e consultas dirigidas também a especialistas, toxicologistas, para que seja escrita uma regra adequada ao cenário do Brasil. Então, é possível sim que a Anvisa reveja o seu ato e escreva uma regra sanitária adequada, pois a proibição não funcionou, e que conduza esse tema de forma semelhante ao que outras autoridades sanitárias têm feito ao redor do mundo.
A proibição de fabricação de DEFs no Brasil está fortalecendo o mercado ilegal desses produtos. Quais os problemas que isso vem gerando e quais ainda podem vir a ocorrer?
Alessandra Bastos Soares: São inúmeros os problemas relacionados à distribuição e ao consumo de produtos ilegais. Com relação à distribuição talvez o problema mais crítico nos dias de hoje seja o acesso de crianças, jovens e adultos não fumantes aos produtos. E isso acontece porque não há controle sobre a distribuição. Com relação a riscos e danos, é impossível calcular, já que nós não sabemos quais substâncias estão sendo ofertadas. Por exemplo, quais os solventes usados para esse tipo de produto e se podem ser utilizados para inalação. Qual a quantidade de nicotina que está sendo usada e qual a qualidade dessa nicotina. Então, por não conhecer as substâncias utilizadas, nós não conseguimos mensurar o risco e o dano. O que nós já estamos assistindo são doenças pulmonares relacionadas à utilização de substâncias que não deveriam ser inaladas. Muitas doenças no Brasil, já podem ser a consequência do uso desses produtos. É uma falta de informação e uma insegurança generalizadas justamente porque o produto é de origem desconhecida, a produção, a forma como é feito, tudo é desconhecido. Esse é o risco de termos uma regra como a proibição porque, para a ilegalidade, ela não funciona.
Em outros países, os DEFs são uma forma de redução de danos em relação aos cigarros tradicionais. Há algo nas regulamentações em outros países que poderia ser aplicado no Brasil? Se sim, que aspectos?
Alessandra Bastos Soares: No mundo, cerca de 100 países já possuem uma regra para os cigarros eletrônicos. Vários desses países possuem uma autoridade sanitária da mesma envergadura da Anvisa. Essas autoridades fazem parte de vários fóruns onde a Anvisa também está e conversam sobre medicamentos, produtos para saúde, cosméticos, fumígenos e outros. Inclusive a Anvisa baseou suas normativas para esses tipos de produtos em regras que já existiam em países como o Canadá, que tem uma regra muito crítica para produtos de tabaco.
Para regulamentar os DEFs, a Anvisa deveria estabelecer uma regra que fale sobre quais empresas estão aptas para a fabricação desse tipo de produto, quais os tipos de dispositivos podem ser desenvolvidos, quais são os solventes que podem fazer parte da formulação para ofertar a nicotina, qual a quantidade apropriada de nicotina, quais flavorizantes que podem fazer parte da formulação. Também detalhes sobre o desenvolvimento e a fabricação desses produtos, assim como a distribuição e o comércio deles, e ainda a comunicação do fabricante com o consumidor, isso tudo deve estar descrito numa regra sanitária. Aí sim podemos falar sobre redução de riscos e danos porque nós poderemos entregar produtos seguros, poderemos monitorar a saúde desses consumidores e esses dados servirão não só para embasar as tratativas, as políticas de saúde pública para o controle dos riscos e danos do tabagismo, mas também servirão para monitoramento e futuros ajustes da regra, se forem necessários.
Sem consenso ou acordos na 10ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco sobre a questão dos DEFs, o tema deve retornar na COP 11. Qual é a sua expectativa sobre as futuras discussões e como elas podem impactar o mercado brasileiro?Alessandra Bastos Soares: Na COP 11, dada a importância do tema e a criticidade dos dados apresentados no Brasil, esse tema deverá ser discutido. Mas só haverá uma discussão equilibrada com resultado satisfatório para o Brasil se os integrantes da comitiva brasileira tiverem um novo entendimento sobre o que são esses dispositivos. Enquanto a Anvisa e outros especialistas que defendem a manutenção da proibição não estudarem o suficiente, não se conscientizarem da realidade, a discussão não vai mudar de rumo. O que nós esperamos é que, convivendo com outras realidades nesta reunião e assistindo a relatos de outros países de como esse tema tem sido conduzido, a Anvisa reveja o seu posicionamento. Espero que os especialistas que defendem a proibição possam aderir de fato ao entendimento mais criterioso e responsável. E que seja escrita uma norma para que esses produtos circulem no Brasil sob vigilância sanitária, para que efetivamente possam cumprir o seu objetivo, que é reduzir riscos e danos relacionados ao uso do tabaco. E que, no Brasil, nós possamos entregar aos consumidores a possibilidade de acessar produtos seguros, coisa que hoje não acontece.