Apresentamos aqui no Empreendedores do Campo, uma entrevista com o professor e consultor de marketing, jornalista e publicitário e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Coriolano Xavier. Além de falar sobre temas como exportações e sistema integrado de produção, ele faz análises referentes ao momento presente do agronegócio e perspectivas futuras.
O especialista é diretor da MCA Marketing e Comunicação e da Biomarketing. Graduado em Filosofia pela USP (Universidade de São Paulo), com especializações em marketing pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e Pace University (NY). Publicou os livros “Marketing e Agronegócio – a nova gestão” (Pearson) e “Marketing & Agribusiness” (Atlas), em coautoria com José Luiz Tejon.
Qual o atual posicionamento da produção agrícola brasileira frente à internacional?
Coriolano Xavier: O Brasil tem um papel estratégico e ascendente no mercado internacional de produtos agrícolas. Construiu essa posição com o acelerado desenvolvimento tecnológico do nosso campo nas duas últimas décadas e, agora com a pandemia, quando mantivemos o ritmo e a segurança de nossas cadeias produtivas, o país fortaleceu ainda mais o seu conceito como fornecedor estratégico e de confiança de alimentos e fibras.
Mas esse mercado mostra hoje uma dimensão muito dinâmica no consumo alimentar, com uma evolução razoavelmente rápida dos valores e expectativas que os consumidores querem ver nos alimentos que consomem. E isso já está gerando uma pressão sobre países produtores de alimentos – entre eles o Brasil, mas não só aqui. São as demandas com relação ao ambiente, sustentabilidade e segurança do alimento, por exemplo.
Essas demandas chegam ao país de diversas formas, como pressões da mídia, investidores, diplomacia, clientes e stakeholders em geral das cadeias produtivas. Nada muito diferente, na sua essência, do jogo clássico de pressão entre vendedores e compradores, produção e demanda. Só hoje exponencialmente amplificado pelo poder midiático e pela complexidade dos mercados e valores de consumo.
Do mesmo modo que o Brasil desenvolveu uma solução tecnológica tropical para sua agricultura – e que hoje, aliás, é referência de boas práticas para outras regiões tropicais do planeta – agora o país precisa aprimorar uma expertise geopolítica e de marketing para navegar nesses cenários mutantes e elevar ainda mais a posição brasileira no mercado internacional.
O setor do tabaco possui um pioneiro sistema de integração com produção certificada. Essa é uma tendência geral? Como a comprovação de produção sustentável impacta no posicionamento do agronegócio brasileiro?
Coriolano Xavier: De fato, o setor produtivo de tabaco foi um dos pioneiros no Brasil a construir um sistema de governança integrado de ponta a ponta na sua cadeia produtiva e merece o reconhecimento por esse pioneirismo. Visitei Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, nos anos 1990 por algumas vezes e vi de perto esse exemplar trabalho.
Saltando para os tempos atuais, a mesma filosofia que inspirou o setor de tabaco continua mais viva do que nunca e amplificada. Os modelos integrados de gestão ao longo das cadeias produtivas evoluirão mais ainda, ampliarão seus espectros entre países, pois proporcionam maior eficiência produtiva em todos os elos dos sistemas, maior competitividade e confiança de originação ao longo das cadeias, até o consumidor final.
A produção certificada, se insere nesse contexto maior de gestão estratégica dos setores produtivos e tem que ser vista pelo binômio que ela representa: o ganho de eficiência ao longo da cadeia e o seu poder de gerar valor percebido entre consumidores e empresas, portanto aumento de competitividade, seja no mercado interno ou internacional.
Isso tudo nos remete à questão da sustentabilidade, em relação à qual temos que ter consciência de que está aí para ficar. Nesse sentido, uma medida prática para investir e desenvolver negócios, planejar e fazer marketing, é trazer para dentro das organizações os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
São 17 ODS, fazem parte da agenda 2030 de desenvolvimento sustentável e nove deles tem conexão mais estreita com o agronegócio. Nessa perspectiva, devem ser incorporados pelas empresas e suas organizações de representação institucional — para debater, planejar e transformar. Nós do CCAS, inclusive, temos estimulado essa discussão em diversas esferas do agro, para ajudar nessa travessia.
Quais devem ser os desafios do “novo normal” das exportações do Brasil pós-pandemia?
Coriolano Xavier: Muito se tem dito que o pós-pandemia será marcado por enorme valorização da saúde e bem-estar no consumo alimentar e, de fato isso tende a acontecer em graus diversos e dependendo o mercado, o segmento de consumidor, o país etc. O que isso implica para nós que estamos dentro do agronegócio, fazendo e vendendo a sua produção?
A compreensão e sensibilidade desse provável “novo agronegócio”, começa pela consciência de que o agro estará respondendo a um sistema ampliado de valores de saúde no consumo alimentar, com um detalhe: esse novo sistema de valores será estabelecido pelas percepções dos consumidores finais e seus influenciadores. Ou seja, será um eixo revigorado de influência e decisão de compra, que nasce no cliente mas se espraia para outros elos do ambiente de negócios.
A venda da ciência e da tecnologia para produção agrícola, por exemplo, talvez tenha que ser feita para distintos stakeholders da cadeia produtiva e não mais somente para o produtor. Do mesmo modo, a venda do produto agrícola, o alimento, para o mercado de consumo terá que abrir o seu leque de público. Um exemplo: para vender carne suína no grande consumo, seria útil e agregador “vender” seus benefícios para médicos, nutricionistas etc.
O setor de carne suína até já faz isso, mas não é estratégia comum. Isso já vem acontecendo, mas timidamente ainda, no agro. De qualquer modo, na hipótese de um novo cenário de alta sensibilidade à saúde, a credibilidade e a reputação serão dois pilares essenciais para o sucesso da marca – seja ela de uma empresa, cooperativa ou até mesmo um país. E saúde, no século 21, se confunde com bem-estar animal e preservação ambiental, se o assunto é alimento.
Sobre os desafios pós-pandemia para nossas exportações, parece que consolidamos o conceito brasileiro de exportador com organização e logística confiável – uma credencial de alto valor em uma economia mundial que vai herdar variados graus de disfunção após a pandemia. Nos aspectos de marketing, os filtros seletivos de produtos tendem a aumentar, mas sem pânico: isso pode vir a ser oportunidade para agregar valor.
Cuidar da “marca Brasil” será também fundamental, sob ênfases e estratégias diferenciadas. Há países em que já temos forte penetração exportadora – como a China e enclaves do Oriente Médio. Há mercados em abertura, onde temos que mostrar o nosso perfil de “marca Brasil”, falar do que somos capazes de fazer no agro. E há clientes tradicionais para reverter situações e intensificar laços comerciais, como a Comunidade Europeia, e aí temos que reforçar o que representa o moderno agro sustentável brasileiro.
Do ponto de vista da gestão estratégica, acrescentaria um ponto – muito em função da ascensão rápida do Brasil em certos mercados e da complexidade que o comércio e marketing do sistema alimentar adquiriu no mundo: parece ser um momento favorável para a chamada “diplomacia corporativa”, com empresas e entidades abrindo escritórios avançados do Brasil em mercados-alvo importantes. O exemplo recente do setor de algodão, abrindo escritório da Associação Brasileira dos Produtores de algodão (ABRAPA), em Singapura, é interessante. Na perspectiva da história exportadora brasileira, é uma abordagem inovadora.