Basta uma rápida pesquisa para perceber que o agro brasileiro é alvo de grande número de notícias que desabonam o setor. Mas o que nem todo mundo percebe é que são informações distorcidas, números falsos, casos isolados superdimensionados e especulação ditas como verdades absolutas. O alerta para a necessidade de o setor usar a comunicação para mostrar a realidade vem do jornalista e escritor Nicholas Vital. Ele está lançando o livro “Guia de Comunicação para o Agronegócio: Estratégias para melhorar a reputação do setor por meio de uma comunicação efetiva”, onde ele diz que é preciso reverter a situação de décadas de má fama atribuída injustamente ao setor e dá dicas sobre como fazer o contraponto aos mitos.
Vital também é autor do livro “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, lançado em 2017, no qual ele explica o que são os agroquímicos e desfaz diversas falsas narrativas que chegaram a dominar o noticiário nacional. Em 15 anos acompanhando o dia a dia do agronegócio brasileiro, além dos livros, ele escreveu para importantes revistas, trabalhou em agências, atuou como consultor, palestrante e liderou equipes de comunicação em diversas entidades setoriais do agro. É idealizador e curador do Lab de Comunicação para o Agronegócio da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) e diretor da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA).
Entrevista:
Você está lançando mais um livro direcionado ao agro. O “Guia de Comunicação para o Agronegócio: Estratégias para melhorar a reputação do setor por meio de uma comunicação efetiva”. Do que trata a obra?
Nicholas Vital: Esse livro tem como objetivo ajudar as empresas e entidades setoriais a melhorarem a forma como se comunicam, principalmente junto à sociedade. É um material bem didático e que apresenta as principais tendências da comunicação como um todo. Ele traz um pouco do histórico de como a situação do agronegócio chegou até aqui, muito por falta de uma comunicação mais efetiva. E traz também uma pesquisa que a gente fez na Aberje, mapeando como a comunicação é encarada pelo setor. Traz ainda cases reais de boas iniciativas de comunicação promovidas por empresas e entidades ligadas ao agro e alguns pontos que devem ser utilizados na comunicação, como as questões ESG (Environmental, Social and Governance), que são cada vez mais importantes e podem ajudar a trazer boas pautas para o agro, e questões relacionadas à comunicação para as relações governamentais, à memória empresarial e à geração de conteúdo próprio. O livro é um guia completo que tem como objetivo contribuir para uma melhor comunicação do setor.
De que forma a comunicação eficiente pode contribuir para melhorar a reputação do agronegócio?
Nicholas Vital: Tem um papel fundamental. O agronegócio, apesar da importância econômica e social que tem para o Brasil, ainda é malvisto pela sociedade, justamente pela falta de comunicação ao longo das últimas décadas. Hoje a gente vê empresas e entidades se comunicando, mas o estrago já está feito. Enquanto o agro se preocupou em produzir e em ser mais eficiente, esqueceu de contar suas histórias. E essas histórias foram contadas de forma deturpada pelos detratores. Então a comunicação é um trabalho de formiguinha, ela tem que ser feita dia após dia, mas sempre mostrando as boas histórias do setor, os impactos econômicos e sociais, a preocupação ambiental que existe no setor, mostrar também que não é tudo perfeito, mas que essas exceções que a gente vê hoje não representam a totalidade do agronegócio. E a comunicação tem que estar aí, no dia a dia, sendo um trabalho perene de informação. A sociedade tem que estar informada para quando, se eventualmente tiver um ataque, o outro lado estar sendo bem representado também.
Em seu livro “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, você apresenta o contraponto a mitos e informações alarmistas disseminadas sobre o uso de agroquímicos nas lavouras. Um deles é de que cada brasileiro ingere mais de cinco litros de agrotóxicos por ano. Por que essa informação é distorcida?
Nicholas Vital: Em relação aos mitos, é a típica questão de torturar os números até ter uma história adequada para sua narrativa. Essa história dos cinco litros começou já com um dado errado de uma entidade que estimou o uso no Brasil em 1 bilhão de litros de agroquímicos, o que já está equivocado porque agroquímico não é medido em litro, mas sim em tonelada de ingrediente ativo que você dilui e não pode ser contado. Aí eles dividiram pela população do Brasil, que na época era 192 milhões de pessoas e chegaram a esse número de 5,2 litros por pessoa. E porque isso está equivocado? Porque é uma matemática burra, já que praticamente a metade dos defensivos usados no Brasil, são usados na cultura da soja. Se a gente somar o uso no milho, na cana-de-açúcar, na pastagem, florestas plantadas e outras culturas não alimentícias, isso representa mais de 90% do uso de agroquímicos no Brasil. As culturas alimentícias usam menos de 10% dos produtos. Mesmo assim, esses 500 ml que daria por pessoa também não é uma conta correta a ser feita porque é preciso levar em consideração que os agroquímicos são como remédios. Você aplica na planta ou em volta da planta e eles têm um tempo de ação e um tempo de degradação. Depois de algum tempo e respeitado o período de carência, pode-se fazer uma avaliação, que é feita nos alimentos pelo Programa de Análise de Resíduos da Anvisa, e se vê que em muitos casos nem resíduos têm, não tem qualquer traço de agroquímicos. Então, essa história de que brasileiros ingerem cinco litros é só uma manchete sensacionalista que não está nem sendo usada mais de tão descabida que é.
Suas pesquisas concluíram que, sem os defensivos, não é possível produzir alimentos em quantidade suficiente para a população mundial. Por que muitas pessoas ainda acreditam que é possível o plantio apenas de forma orgânica? Como jornalista, de que forma você avalia o papel da mídia quando a pauta são os agrotóxicos x orgânicos?
Nicholas Vital: Se não tiver agroquímicos, se não tiver tecnologia em geral para a produção de alimentos, simplesmente não haverá comida para todo mundo. Uma lavoura orgânica, por mais tecnificada que seja, ela vai produzir metade do que produziria uma lavoura convencional. Pessoas usam como exemplo algumas empresas que têm alta produtividade, mas isso é feito em estufas, em ambiente controlado, mas essa não é a realidade do Brasil. A realidade do Brasil é uma plantação a céu aberto e as lagartas e pragas em geral são democráticas, elas atacam os convencionais e os orgânicos. E no convencional existe uma proteção. No orgânico, a praga simplesmente se instala e causa perda na produtividade. Então não existe nenhuma maneira de fazer essa substituição. O mercado de orgânicos é um mercado que existe, tem gente que prefere esse tipo de produto e está tudo certo. O que eu sou contra não é o alimento orgânico, mas sim essa pregação que é feita contra os convencionais e sempre baseada em mentiras porque alegam que esses produtos são mais nutritivos, são mais gostosos, são mais sustentáveis. Eles não são mais nutritivos, as pesquisas científicas mostram que não tem diferença entre esses alimentos, tanto que se tivesse isso viria destacado nos rótulos. Eles não são mais saborosos, mesmo equipamentos eletrônicos sofisticados não conseguem distinguir qualquer diferença. E não são mais sustentáveis porque na agricultura orgânica a perda é muito maior, o desperdício é maior, então a produtividade é muito menor e se precisa de mais espaço para produzir a mesma quantidade de alimentos. Então, as pessoas precisam decidir se querem preservar o meio ambiente, as florestas, ou se querem alimento orgânico. Os dois é impossível. Se você mudar tudo para orgânico, fatalmente tem que expandir as áreas de plantio e avançar sobre as áreas de florestas. A forma mais eficaz e inteligente de reduzir a pressão sobre as matas nativas, é aumentar a produtividade por hectare e isso é possível com tecnologia.
Sobre o papel da mídia, sabe-se que é muito tendenciosa e que notícia ruim é o que vende jornal e dá cliques. Então vêm manchetes sensacionalistas, contra os agrotóxicos, querendo gerar pânico na sociedade. Existe também uma questão que o agronegócio não é um grande anunciante dos veículos de mídia tradicionais e, por outro lado, o varejo é. E o varejo tem interesse nesse tipo de produto porque as margens são muito maiores. Até na parte de estética, de produtos de beleza, essa coisa natural e orgânica agrega valor. Então, eles querem impor essa narrativa e os jornalistas em geral conhecem muito pouco sobre o tema, muito pouco sobre química, e embarcam nessa onda porque é mais fácil, é politicamente correto você fazer esse tipo de defesa, mesmo que não tenha embasamento científico nenhum. E isso vira uma bola de neve, eles falam o que querem, ninguém contesta e a sociedade vai sendo cada vez mais impactada por essas notícias falsas.
Você explica que a ação dos produtos químicos para as plantas é semelhante ao dos remédios para os humanos. Como funciona essa relação?
Nicholas Vital: É exatamente a mesma coisa. São produtos químicos que têm efeito nos seres vivos. No caso prático de um fungicida, por exemplo, existem até substâncias que são as mesmas usadas em pomadas para humanos e para evitar fungos nas lavouras. Com a diferença que, nas lavouras a concentração é menor do que nas pomadas que vão diretamente na pele. Os dois funcionam da mesma forma: existe um problema, é feito um tratamento com fungicida, passa na pele ou aplica na planta, isso vai matar o fungo. Depois de um período pré-estabelecido na bula do remédio ou na bula do agroquímico, esse produto vai ser totalmente degradado, vai ser expelido seja pela planta ou pelo organismo humano e depois não vai ter resíduo nenhum. Se não fosse assim, cada aspirina que a gente tomasse ao longo da vida, ia ficar presa ao nosso corpo para sempre. E isso não é o que acontece. Então, eles são exatamente iguais, os defensivos são os remédios das plantas.
Na lavoura de tabaco, a demanda segundo pesquisas é de apenas 1,01 quilo de ingrediente ativo por hectare a cada safra. Ainda assim, a cultura sofre com o mito de que utiliza muito agrotóxico. A que você confere esse tipo de ataque?
Nicholas Vital: Eu não tenho dados específicos sobre as lavouras de tabaco, mas é fato sim que existe um mito de que se usa muito. Mas eu tenho total convicção de que os produtores, sejam de tabaco ou de qualquer cultura, não usam nem uma gota a mais do que o necessário, pois defensivo custa dinheiro e quanto menos ele tiver que usar, maior vai ser a rentabilidade no final. Então, o que acontece é que existem muitos casos na mídia que pegam exemplos de produtores que trabalharam a vida inteira na lavoura e tiveram câncer ou outra doença. O grande problema, não só no caso do tabaco, mas em qualquer outro, não é o defensivo, mas sim o uso incorreto dele. Defensivos são produtos químicos que precisam ser manejados com uso de equipamentos de proteção e nem sempre é isso que a gente vê. Nas lavouras de tabaco, imagino que talvez os mais velhos, tenham essa cultura de não usar equipamento de proteção, ou usar parcialmente. E com uso incorreto por muitos e muitos anos, pode causar algum efeito, mas se tivesse utilizado da forma correta, não aconteceria. O grande problema é deixar todas essas notícias ruins saírem na mídia sem ter notícias positivas também, mostrando o desenvolvimento econômico das regiões, das famílias que trabalham nisso há muitas gerações e que isso ajuda também economicamente, mostrando a sustentabilidade que existe nessas produções.