Provavelmente, todas as mães e pais quando vêm seus filhos crescendo pensam em como vai ser o futuro e projetam sobre eles seus desejos e vontades. O problema é que se o desejo projetado não acontece, muitas vezes no lugar aparece uma decepção com o outro que não correspondeu ao esperado, ou que não fez aquilo que os pais desejavam. O tema da sucessão, em geral, acarreta um pouco disso: projeções, expectativas e, as vezes, frustrações.
Para os pais que trabalham no campo, muito provavelmente, entre seus desejos está o de que seus filhos possam ficar no campo e, ainda que vejam e experimentem novos horizontes, voltem para a casa e para a terra onde foram criados. Mais do que um desejo familiar, a agricultura e o meio rural precisam de sucessores. Como despertar nestes jovens de hoje o desejo – que seja deles e não dos adultos – de permanecer no campo?
O desafio parece ser compreender os jovens, entender as características da geração da qual fazem parte e ressignificar o campo, de modo a que nele também haja espaço para projetos de vida.
Se algo caracteriza esta nova geração – vivenciado por todas as famílias sempre que um novo aparelho eletrônico chega em casa – é o domínio com maior facilidade do mundo dos eletrônicos. Também a conexão permanente e a comunicação instantânea. Ai está uma das chaves do desafio de sucessão rural: preparar os jovens do meio rural para lidar com as novas tecnologias do mundo do trabalho no campo.
Também é preciso diálogo. Diálogo entre gerações, entre as escolas e os jovens, entre as escolas e as famílias, entre as empresas e as escolas, entre as prefeituras do meio rural e os atores do perfil produtivo da região onde se localizam. Entre todos é preciso diálogo na busca do caminho para solução de problemas e para atualizaçao dos modos de lidar com as dificuldades.
Veja um exemplo concreto: o menino ou a menina aprende na escola ou na internet um modo novo de lidar com com uma praga na plantação. Chega em casa e quer aplicar o seu aprendizado. O pai, que lida com aquilo há anos, acha a novidade uma bobagem e não aceita a proposta sugerida. E, assim, de nova ideia em nova ideia frustrada, as gerações vão afastando-se. É melhor ir projetar o futuro em outro lugar.
Não que tudo de novo seja sempre possível. Há projetos ilusórios. Mas é preciso dialogar. Só vai ter sentido ficar no campo, se for para que cada jovem, menino ou menina, possa realizar projetos que sejam seus.
Outro conflito comum é o que ocorre entre gerações quanto aos papéis destinados aos gêneros: homens e mulheres. Este conflito também acontece na cidade, mas no campo parece que tem contornos específicos. Espera-se do menino, normalmente, que cumpra o papel de sucessão. Eles crescem já com destino traçado, muitas vezes, distante de seus desejos. Das meninas, por outro lado, espera-se que sejam boas donas de casa, ajudem o futuro marido e tenham filhos. As adolescentes de hoje querem bem mais do que isso e quando não encontram espaço nas famílias para seus sonhos e desejos, querem ir para a cidade. Lá haverá mais liberdade, mais possibilidade de estudar, trabalhar e lidar com seus próprio dinheiro. Ser a dona do seu nariz. Qual mulher não quer isso? É preciso dialogar e abrir espaço para que elas construam seus projetos, sem tantos obstáculos.
Se queremos que as novas gerações fiquem no campo, precisamos contribuir desde onde estivermos para que um novo campo, com espaço para todos, seja realidade. Para que a tradição possa sobreviver, precisa dialogar com o novo que vem com os jovens e seus novos tempos. Não é tão difícil!
Advogada, socióloga, mestre em Ciências Criminais (PUC/RS), Doutora em Direito (PUC/RS), Professora do Curso de graduação, Mestrado e Doutorado da UFRGS e Professora do Curso de Mestrado em Direitos Humanos do UniRitter. É pesquisadora há vários anos na área dos direitos das crianças e adolescentes, com vários livros e artigos publicados em periódicos científicos. É consultora do Instituto Crescer Legal para a área de aprendizagem de jovens rurais e combate ao trabalho infantil.